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sábado, 6 de dezembro de 2008

Rica no busão

Um pouco de tudo acontece no ônibus. Pessoas caem; cobrador que não fala; bêbado pedindo silêncio; reclamações pelo troco da passagem; beijos; risadas; e partilha de sovacos – como diriam os humoristas.
Estava convencido: nada mais poderia me surpreender no busão. Mas, como diz o ditado, há tempo para tudo.
Em plena sexta-feira, horário de o trabalhador pegar ônibus, eis que surge uma senhora, toda sorridente, no ponto de ônibus.
- Esse vai para...
- Não. (responde seco o motorista)
-Mas passa perto de...
-Mais ou menos. (retruca o motorista)
Na dúvida, a senhora que aparentava entre 45 e 50 anos, entrou sorridente e brilhante. Sorridente, acredito, por estar entrando em um ônibus de linha e brilhante, pois ornada de anéis, colares, pulseiras e brincos de ouro destacava-se em meio aos “outros”.
Na estréia em um ônibus, ela conquistou os demais passageiros – claro que estes com certa estranheza. A madame cheia de jóias sorria, sorria e sorria enquanto conversava com todos do ônibus.
- Olha esse jovem! (indicava com o dedo a madame para a moça com quem puxava conversa).
- Sabe onde fica a região... (perguntava a senhora a outro passageiro)
- Essa região do... eu conheço pouco. (respondeu o senhor de rosto suado e olhos cansados)
Então ela procura outra pessoa para conversar. Queria conhecer. Interesse semelhante a um bebê quando quer conhecer – com as mãos – os brinquedos de uma loja infantil.
- Cobrador. É no próximo que eu desço? (interroga, sorrindo, a senhora)
- É! Mas vai ter que caminhar. (Responde o cobrador enquanto prende o chiclete nos dentes da frente)
- Não faz mal. Minha filha é magrinha... de tanto caminhar. (responde a sorridente e brilhante madame)
Uma frase perdida, mas talvez ela tenha usado para ressaltar a falta de exercício, pois estava um pouco acima do peso.
Chega ao ponto e a madame agradece o cobrador pela dica. Então, ela bate sem querer as pulseiras douradas ao segurar na porta do ônibus para descer. Envergonhada, ela sorri - como da vez em que quase caiu devido a uma freada brusca que o motorista precisou realizar durante o caminho – com alegria de quem prova algo novo e gosta, ou ao menos se surpreende.
O novo que talvez esteja no recíproco sorriso das pessoas; na explicação do cobrador; no bocejar de sono do jovem cansado; no andar pesado do busão se comparado a sua Mercedes; no ar abafado; na mistura dos desodorantes de mercado; nos colares de linha e sementes, tão finos e delicados como os de ouro...
A madame desce. O ônibus segue.
Mas o principal a madame perde de fazer. Ela pediu para o cobrador parar e, ao pedir, hesitou em puxar a cordinha do sinal. Uma pena, pois a experiência de andar de ônibus foi incompleta. O toque suave da campainha do ônibus é o êxtase da viagem.
Madame, desculpe. Mas você andou, provou, agitou, gostou... mas não puxou a cordinha.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Valores aprendidos no dia-a-dia

CENA I
O jovem insiste:
- Posso limpar?
- Não. Não precisa.
- É ‘rapidão’ tio.
E com habilidade passa a limpar o pára-brisa de um pampa, cor prata, desgasto pela idade.
São seis fortes passadas de espuma de um lado para o outro. E mais dez para tirar a espuma marrom. O sinal verde abre. No meio da pista, o menino, de 13 ou 14 anos, aguarda o pagamento.
Estica a mão na janela do carro e sai pulando. Feliz.
O pagamento vai parar na orelha. Aos poucos, o cigarro recebido como fruto do árduo e rápido trabalho da limpeza é exibido como medalha no peito.
Orgulhoso, o menino balança os braços. Depois cruza-os e exibe-se com firmeza de “pequeno homem”. Não mais menino, pois o cigarro o tornou homem. Viril. Forte. Ágil.
Tira o cigarro do lugar de destaque, já não mais branco, pois as mãos estavam sujas, ora com a mão direita, ora com a mão esquerda. O fumo salta de uma mão à outra, entre um sorriso e outro. Depois, volta ao lugar de honra, apoiado na cavidade superior da orelha direita.
O homem do pampa não viu a cena, pois com a visão limpa a custo de um cigarro, aproveitou para tirar vantagem e sair cantando pneus.

CENA II
Rua 13 de maio. Movimentada. O relógio marca, em sonoros badalos, o meio dia.
O gaiteiro ou sanfoneiro, artista de rua, amontoa-se no canto da calçada com seus pitocos de pernas cruzadas e as mãos ágeis a solar a gaita, enquanto os olhos mantêm-se fechados. Não por que quer, mas é obrigado. É a cegueira que lhe toma conta.
Entre a agitação do povo, no sobe e desce frenético da rua, um casal agacha ao lado do artista. Com poucas palavras da mulher, que aparenta meia idade, a gaita cai sobre os pitocos. Praticamente abandonada.
Um sorriso amarelo e preto se abre, mas logo se fecha e se enche de sabor. Um sanduíche quentinho, comprado há pouco em uma barraca ao lado está, agora, nas mãos do artista. Com a mão na cabeça do devorador de lanche, como mãe que acalenta o filho, ela fala do suco que está aberto no chão, á frente das pernas do artista. A cabeça se ergue, e um sorriso de boca cheia agradece ao lanche.
Como quem não tivesse feito nada, a mulher sai de mãos dadas com o esposo. Satisfeita e sorridente.
Ao lado da Catedral, ela parece ter lembrado dos ensinamentos de Jesus aos fiéis, quando disse: que tua mão esquerda não saiba o que a direita faz.

CENA III
Previsão de um vidente qualquer, destes que anunciam trabalhos nos pontos de ônibus, banheiros públicos, postes...
“Alguém lê ou observa a cena I e II e não percebe a diferença”.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Fuja Loco

Oras bolas e buce... bucechas.
Parem o sexo! Parem logo!
O sexo contribui para a poluição. É sério. A camisinha leva aproximadamente 300 anos para decompor. E pior, se os dois usarem é loucura. Duas para decompor seria um absurdo. Vamos pisar em camisinha. Viveríamos na Camisinholândia. Oras bolas e bucechas.
Uma sugestão: estão criando o asfalto com pneus, por isso, eu sugiro que o preservativo seja jogado no caldeirão. Assim, vamos ter o asfalto preservativo! Seria uma ótima, pois no momento em que vivemos a onda do aquecimento global, tudo que comece com “preser...” é bem aceito. Preservar a mata, preservar os animais. Vamos preservar. Preservativo no ar!
Aos pais e mães, a solução. Chega de ficar sem palavras diante das destemidas perguntas dos filhos: “pai me dá um preservativo? Eu ouvi a mãe dizer para você não esquecer o preservativo ao sair do trabalho”.
Oras bolas e bucechas. Aí você resolve o problema explicando que o preservativo é o caminho de casa, já que o asfalto é preservativo! Será uma meia mentira. Até parece...
E o Já, Notícias Já de Campinas inovará. Chega de mulheres seminuas, é hora dos homens. Isso mesmo! Por sugestão de uma aluna de jornalismo do primeiro ano da PUC Campinas, as mulheres serão substituídas por homens seminus. Oras bolas e bucechas... Até parece que vai dar certo isso. Aliás, com tanto homem doidão na faculdade ela não viu nenhum ainda? Há problemas, não há dúvidas, ou com ela ou com os amiguinhos dela. E que amiguinhos! Eles devem ser torcedores de um time paulista. Precisa falar que é de São Paulo?!
E o Já se pronunciou acerca do pedido de que homens estampem a capa do jornal, nas palavras do editor comercial: “mulher gosta de ver mulher. Homem não gosta de ver mulher... digo homem...” Erro de expressão? Oras bolas e bucechas, Freud explica.
A segunda é a primeira. Isso mesmo. Na escolha da Miss Universo os jurados se sensibilizaram e viram tudo menor, assim como os olhos da japonesa que eles decidiram deixar na frente da brasileira. Uma loucura! A brasileira é muito mais gata que a japa e ainda, tem os olhos abertos. Oras bolas e bucechas! A brasileira em segundo? Oras, até parece piada.
E a Renata Fan virou comentarista de desfiles. Após invadir o mundo do futebol e fazer marmanjo pensar antes de falar palavrão, ela resolveu lembrar seu tempo de miss. E lembrou tanto que tudo que ela fez na cobertura da Miss Mundo foi comparar o evento e as candidatas com ela. “Porque quando eu estive participando...”. Oras...
E os tradutores da Band estavam tomando uma tequila mexicana mandada por Calderón. É sério. E eles tomaram mesmo, pois a tradução quase virou um portunhol ou algo parecido: “porque a fiesta começou”. Oras bolas e bucechas. Decida meu amigo! É festa ou fiesta? Se for pra traduzir não enfeita. Oras bolas e bucechas.
E uma porta foi arrombada! Isso mesmo. Os responsáveis pelo laboratório do campus I, da PUC Campinas, onde estava sendo realizada a vacina contra a caxumba, não compareceram. E aí sobrou pros homens. é sério, eles ficaram loucos em saber que talvez não iriam receber a vacina. Porque? Oras, ninguém quer ficar com orquite. Sejamos mais diretos, ninguém quer ter inflamação nos testículos.
Oras bolas e bucechas, inflamação... coisa de louco!

Escrita há algum tempo, mas não poderia ficar de fora do blog . Em homenagem aos bons momentos proporcionados pelos palestrantes do Já, na PUC Campinas, aos alunos de Jornalismo

Quase

Estava quase começando uma crônica. Disse quase.
O quase que me fez parar por um momento.
Na mais utilizada ferramenta de pesquisa, o famoso Google, digitei o quase. Entre as quase dezenas de milhares de páginas, uma delas me levou ao “Quase” de Luis Veríssimo.
O escritor destaca, entre as brincadeiras de palavras tornadas frases, que “ainda pior que a convicção do não, e a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase”. Concordo.
O quase atrapalha. Que quase faz, na verdade não faz. Quem quase morre, não morre. Mulher quase grávida, não está grávida. Quem quase é homem, não é homem. Quem quase sacia a fome, se mantém faminto. Quem quase sorri, continua triste. Quem quase lê o jornal, não sabe as notícias.
Então, quase terminei a crônica.
Quem quase termina, não termina, mas quase termina.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Escada da vida (Cap.1)

Juliano, em busca de seu sonho

Os olhos brilharam diante da vitrine, mas logo ficaram embaçados. Arrastando os chinelos, Juliano seguiu para casa a passos lentos. Pelo caminho, os pensamentos tropeçavam uns nos outros, esbarravam-se pelas esquinas da dúvida.
- O que faço da vida? Já sei, preciso arrumar um emprego para trabalhar com computadores.
Pensava alto o jovem guri enquanto abria o portão de casa, preso de um lado a um barrote de madeira e, do outro, nos tijolos lascados do muro do vizinho. As condições da casa e da família não possibilitavam a compra do computador que estava à mostra na vitrine que Juliano olhava todas as manhãs, enquanto ia a caminho do farol, onde fazia malabarismo.
Sabia decór e salteado os detalhes da máquina e os programas instalados, pois leu no folder distribuído aos pedestres. Naquele computador, Juliano seria capaz de “trabalhar de olhos fechados”, como brincava com o amigo da banca de jornal. Chico, o amigo do peito, havia ensinado o básico sobre informática para Juliano. Na banca, em meio a jornais e revistas especializadas, ele aprendeu a ter gosto pela tecnologia.
Decidido do caminho que queria seguir, comunicou os pais durante o jantar, enquanto agradecia os alimentos à mesa.
Mais cedo do que de costume, Juliano estava em pé. A benção da mãe o iluminou para um novo dia de trabalho, com novos propósitos.
- Bom dia Chico. Quero um emprego em informática.
Chico botou-se a rir.
- Meu jovem, as coisas não são assim.
Juliano, com os pensamentos atropelados, explicou que a qualquer custo iria conseguir um emprego em informática. Só não sabia por onde começar.
Já que você quer tanto, a primeira coisa que você deve fazer é um currículo, simples, objetivo e bunito. Senta aí que vamos fazer agora.
Ao lado de Chico, Juliano passava as informações que o amigo pedia. Ao mesmo tempo, imaginava-se em uma grande empresa de informática, montando computadores, fazendo atualizações e instalando placas e chips.
- O seu currículo está pronto. Amanhã vamos fazer as cópias.
Foi com essas palavras que Chico despediu-se. Porém, com sorriso no rosto e pouca fé na sorte do rapaz, uma vez que Juliano teve muitas experiências profissionais. Até o momento, vivia de “bicos”, nada muito sério.
Juliano foi para casa de mãos vazias, mas com o coração cheio de esperanças. Na mente, a expectativa de encontrar o amigo na manhã seguinte com as cópias do currículo.
Em casa, Juliano deitou e lembrou-se da volta para casa, quando parou mais uma vez em frente à vitrine e disse em voz baixa:
- Eu ainda compro esse computador.
Os sonhos foram embalados com a expectativa de como seria distribuir currículos. Afinal, Juliano nunca fez isso.
Continua na próxima edição...
(Texto publicado na revista "Empregos e Empregados", de Agosto de 2008. Acesse o Cap.2. Aqui)
fABIANO fACHINI

terça-feira, 29 de julho de 2008

Perfil: de volta aos bancos escolares

A toalha de crochê com “ponto correntinha”, em rosa e vermelho sobre a mesa, dá lugar à caneta, à borracha, à régua, ao lápis e à apostila de geografia, a primeira matéria do Ensino de Jovens e Adultos a ser superada por Ivone Fachini, que retoma os estudos após 34 anos longe dos bancos escolares.
Com a turma de 15 alunos, Ivone se reúne todas as segundas-feiras para aprender. A aula começa às sete e meia da noite, mas ela prefere chegar à sala de aula da Escola de Educação Básica Professor Hermínio Heuzi da Silva, às sete horas, para tirar dúvidas. Como fez com o trabalho de escala geográfica. No dia seguinte à aula, ao começar as lições de casa, após os serviços domésticos, não conseguia aplicar as orientações passadas pelo professor Laudir, a quem elogia pelo método de ensino. Os números pareciam não colaborar, nem as medidas feitas com presteza, no mapa indicado para a tarefa, ajudavam a solucionar as questões.
- Nossa. Eu sabia tudo na aula. Mas no outro dia em casa, quando comecei a estudar, não conseguia fazer. Não tinha jeito de lembrar o que o professor tinha ensinado.
A dúvida persistia e os cálculos não fechavam. Então, Ivone decidiu ir em busca do conhecimento. Procurou o professor na escola e depois de novas orientações, voltou para casa e refez todos os exercícios. Durante uma semana, repetiu diariamente os mesmos cálculos. Mas ainda não estava perfeito. O conhecimento em escalas era pouco. Desta maneira, na semana seguinte, às sete da noite, no período que os estudantes têm para tirar dúvidas, lá estava Ivone, entre os alunos a “reaprender” a fazer escalas.
Assim, Ivone aprendeu que 1:2.000.000, significa 1 par de 2 milhões, ou seja, uma (1) unidade equivale a 2 milhões na realidade. Mas, para facilitar, ela também aprendeu que há outras leituras para esse número que geralmente usa escala em centímetros (cm). Assim, compreendeu que como 2 milhões é um algarismo enorme, é mais fácil dizer que 1 cm equivale a 20 km.

Uma jovem guria que apenas queria estudar

Filha de músicos e apaixonada pela melodia que embala os sonhos. No rádio de casa, ouvia os sucessos de Roberto Carlos, que se consolidava como cantor romântico na década de 70.
Nascida em Xaxim, no ano de 62, filha de Luiz e Antonia Nardi, a terceira entre os seis irmãos, morava no interior, na Linha Santa Lúcia, onde ajudava, desde criança, nos afazeres domésticos e da roça. Em casa, enquanto ajudava a mãe, ouvia o rádio - veículo de informação para toda família, num tempo em que a televisão ainda era desconhecida na região – e aprendia as letras do ídolo Roberto Carlos. Aos 11 anos acompanhava os lançamentos musicais que tocavam seus sentimentos. “Detalhes”, “a 300 km por hora”, “debaixo dos caracóis dos seus cabelos” faziam companhia em sua lembrança nos momentos em que caminhava para pegar a lotação e ir à escola na cidade de Xaxim, para onde iam os poucos jovens moradores do interior levados pela Toyota. Das canções, mal sabia ela que “Detalhes” faria parte de sua vida, ou melhor, contaria muito dela.
Já na 5ª série, os planos eram estudar cada vez mais. Porém, as dificuldades de transporte e os trabalhos de casa impediam cada vez mais a ida para a escola. A distância das caminhadas em meio ao mato fechado para esperar a condução era outro empecilho. Por fim, na metade do ano de 73, a jovem toma a decisão de parar os estudos. O sacrifício era grande, e muitas vezes perigoso para uma jovem, como andar sozinha pelas estradas cercadas de matas, de escuridão e do silêncio ensurdecedor que desperta os sentidos a cada estalar de folha, a cada cantar de pássaro em meio ás árvores.
Nesse mesmo ano em que interrompe os estudos, Ivone conhece Leodir Fachini, também com 11 anos. Amigos de infância começam a namorar aos 17 anos de idade. E no dia 1° de setembro de 1983, nas vésperas de Leodir completar 21 anos e, a dois meses de Ivone completar também os 21 anos, os dois se casam. Do matrimônio, três filhos chegam para completar a família: Fabiano, o mais velho; Juliano; e Katiane, a caçula.
Aos 24 anos de casada, “detalhes” fazem parte da vida da mãe e esposa Ivone. “Não adianta nem tentar me esquecer/ durante muito tempo em sua vida eu vou viver/. Detalhes tão pequenos de nós dois/ são coisas muito grandes pra esquecer/ e a toda hora vão estar presentes você vai ver/”.
E com o esposo, o jovem guri que conhecera aos 11 anos de idade, hoje conversa sobre o sonho que voltou a dar brilhos aos olhos castanhos mel da mulher que, prestes a completar 46 anos de idade, encontra nos livros um novo mundo de informações, que abandonara há tanto tempo.

De dona de casa a estudante

Como toda dona de casa, Ivone tem uma manhã agitada. Logo cedo, às seis da manhã, ao badalar do sino da Igreja Matriz de Romelândia, levanta para tomar chimarrão com o marido, antes que ele saia para o trabalho. Entre uma cuia e outra, o casal conversa sobre as atividades do dia, o tempo, os filhos, os estudos e se despedem. Da cozinha para o quarto, ela acorda o filho Juliano, o qual ajuda a se vestir, tomar café, escovar os dentes, calçar os tênis e, com um beijo doce de mãe, despede-se do filho que vai para o trabalho e, às vezes, para a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Mas ainda tem a filha Katiane, de 12 anos, a quem prepara um copo de leite com chocolate e dá a benção e um beijo para que tenha uma ótima manhã de aula.
De cômodo em cômodo, recolhe as roupas para lavar. Limpa a casa. Lava a louça do café. Varre e passa pano nas calçadas da casa. Colhe tempero na própria horta e prepara o almoço com o melhor ingrediente colhido na horta da sabedoria: o amor de mãe. No fim da manhã, pega os cadernos para estudar.
Enquanto a filha guarda os materiais de estudo no quarto, num espaço separado, Ivone deixa os seus na cozinha, sobre uma cadeira, ao lado da mesa. Para a mãe-estudante, é mais fácil, pois a cada espaço de tempo entre um afazer e outro, pode parar para ler algumas páginas da apostila de geografia.
A família chega. O almoço é servido. A louça lavada e guardada. O filho arrumado para ir à APAE. E Ivone faz uma cesta. Minutos depois, de volta aos estudos.
Aos poucos, transforma a mesa da ceia da família em carteira escolar. De frente para a porta da cozinha, enquanto observa o leve vento balançar as poucas folhas da pitangueira e levar para longe o canto dos pássaros que se alimentam dos doces frutos, ela pega, do estojo, seu lápis preto, com ponta dos dois lados cuidadosamente feitas. Abre a apostila. Prepara o caderno. E começa a ler o capítulo sobre “biomas”. Enquanto viaja pelas páginas da fauna e flora brasileira, tropeça em conceitos, mas com esforço levanta e interage com a diversidade que observa da porta pra fora. Uma viagem interrompida pela filha, que se senta ao seu lado e, com a mãe, aprende uma grande lição: não há limites que não possam ser vencidos.
- Às vezes, a Kati vem e faz comigo os meus ‘temas de casa’ ou passa por aqui, e só dá uma olhada no que estou fazendo
A filha sai para brincar e deixa a mãe estudando. De longe, a mãe ouve os risos da filha e das amiguinhas. Por um instante, vê na filha aquela jovem menina que outrora era cheia de sonhos, mas precisou parar. Porém, não vê para a filha o mesmo caminho. Tem a certeza de que, com os esforços conjuntos com o marido, não vai ver a filha parar na metade do caminho do ensino. E vê, nos frutos do ventre, uma nova vida e muitas conquistas. Pessoas diferentes. Cidadãos que receberam a maior herança que uma mãe e um pai podem deixar aos filhos: estudo.
De volta aos livros, concentra-se e responde os questionários. Dever de casa feito, é hora de terminar os afazeres domésticos. Enquanto recolhe a roupa, conversa com a filha e as amigas que brincam sob a sombra do cinamomo no pátio. Dentro de casa, coloca as roupas sobre uma cadeira e retira da mesa o material de estudo. É hora de passar roupa e dar continuidade aos afazeres domésticos.

De volta à sala de aula

Quem gira? O sol ao redor da terra ou terra ao redor do sol? Estamos no norte ou no sul? Qual o maior pico do mundo? O que é um bioma? Questões assim são revistas com os alunos do Ensino Modularizado, que faz parte do programa Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e atende mais de 80 alunos em Romelândia, no extremo oeste catarinense. Entre os alunos, Ivone, que viu na experiência da volta às aulas uma oportunidade de sorrir e conquistar novos horizontes.
Na sala, as coisas não são mais como na antiga escola da jovem Ivone. Na primeira aula, sentiu a nova experiência de, com o livro em mãos, escolher a “sua carteira”. A grande mudança está na disposição das carteiras, não mais em filas, mas em círculos. Todos podem se ver. Não há mais o primeiro e o último, pois agora são todos iguais. Estão em circulo partilhando experiências com o professor que procura criar interação entre os novos alunos.
- Me sinto bem na sala de aula. Somos todos amigos. Conversamos, rimos e ajudamos um ao outro. Além disso, fui muito corajosa. Já no primeiro dia de aula eu fiz até perguntas.
Com muito ânimo, Ivone pretende terminar o Ensino Fundamental e depois fazer o Ensino Médio. Está na primeira das sete disciplinas. Está adorando geografia e descobrindo um mundo de palavras a cada página da apostila xerocada, a qual cuida como filho, pois, no próximo semestre, outro aluno vai fazer uso das palavras impressas em preto e branco. A expectativa é grande para cursar língua portuguesa, matemática, ciências, história, arte e língua estrangeira.
- Quem diria. Eu que nunca tinha parado pra pensar sobre quem girava ao redor de quem vou aprender outra língua. Acho que não vou conseguir. Só se a Kati (filha) me ensinar o que ela sabe. Meu Deus, inglês é muito difícil!
E assim segue a jovem estudante. Com sua pasta preta debaixo do braço, vai em busca de novos horizontes vencendo desafios. E conta com a força de vontade, o sorriso da família, o esforço dos colegas e a dedicação do professor.
- Eu penso pro agora. Aprender pro agora. Num penso tanto no futuro. Penso em aprender... sei lá. Penso sempre no agora, pois é o agora que importa. Além disso, o professor relaciona o conteúdo da apostila com as notícias da TV. Ele fala das coisas que acontecem e viram notícia. Isso é importante. A gente aprender o que está acontecendo no mundo e onde moramos.

A cada aula, um novo aprendizado

- Nossa! Tem sempre um algo novo pra aprender. Eu estou adorando.
O novo conquista a aluna, que não se esquece de nenhuma das aulas. E as curiosidades que aprende na escola, leva para casa e partilha com a família.
Não esconde nada. Muito menos que não sabia, mas que agora sabe. E aos poucos espalha o conhecimento para as pessoas mais próximas. Filhos, esposo e vizinhas com quem toma chimarrão, no fim de tarde, perceberam mudanças nas conversas. Sempre que surge a oportunidade, Ivone ri do pouco que conhecia do mundo. Não julga o conhecimento dos outros, mas encontra, entre risos e pequenas palavras, uma forma de informar os outros.
Em uma noite clara, de céu estrelado, o professor levou todos os alunos para fora da sala de aula. Iam aprender sobre o movimento da terra, as estrelas, a lua, as estações.
- No dia que o professor chamou todo mundo pra ir lá pra fora a gente achou estranho. Mas foi uma ótima aula. Ficamos olhando o céu, as estrelas e ele (professor) explicando tudo pra gente. Foi muito interessante! Aula fora da sala, no meu tempo de aluna não tinha isso.

Colegas e amigos: exemplos de luta

No círculo da sala de aula, ao lado de cada um dos 15 alunos está um exemplo de perseverança. Homens e mulheres que dedicam parte de seu tempo para a busca do aprendizado que não tiveram oportunidade de conquistar quando jovens.
Para Ivone, o exemplo maior são aquelas pessoas que trabalham na roça. Para elas, o tempo de estudo é menor, devido as tarefas pesadas que realizam no campo. Das mãos calejadas que trocam a enxada pela caneta, surgem palavras que se transformam em frases e em conhecimento. E nestes colegas que encaram com dedicação a sala de aula, após um dia de trabalho pesado, é que Ivone vê o esforço que vai além de compreender a matéria, mas de manter os olhos abertos. Assim, com disposição e esforço de todos, as aulas são transformadas em um momento de compreensão, união de esforços, dedicação, colaboração entre colegas, distração e, é claro, de aprendizado.
- Não sei que momento eles têm para estudar. Levantam cedo para tirar leite, vão cuidar das plantações, dos animais e as mulheres ainda cuidam da casa, do almoço, dos filhos. Não param o dia todo.
O Ensino de Jovens e Adultos atende 86 alunos. São seis turmas divididas entre as da cidade e as do interior, que ficam no município de São Jorge. Em Romelândia, 30 alunos freqüentam as aulas do ensino fundamental, divididos em duas turmas e orientados pelos professores Laudir e Leandro, além da turma de 14 alunos do ensino médio, orientada pela professora Denise. Em São Jorge, são duas turmas do ensino fundamental, com 27 alunos e uma turma de ensino médio, com 14 alunos. Todos orientados pelos professores da cidade.
Entre os estudantes, a idade não é padrão. O mais jovem aluno tem 18 e, a aluna com mais idade tem 67. É nestas pessoas que Ivone encontra forças a cada dia, pois partilham do mesmo sonho: o conhecimento e o reconhecimento.

Nem tudo é mil maravilhas

O fim de tarde vai caindo em Romelândia, onde vivem 5 mil “filhos” da terra de Romeu. O vento minuano balança as bonecas de milho, que ficam ao lado dos pés de alface, de cebolinha verde e das escassas salsinhas. O vento traz os aromas dos chás e temperos da horta de dona Ivone, que sentada na calçada de casa, com os pés para fora, alcançando as britas da garagem, conta sobre o dia-a-dia de uma mulher que enfrenta barreiras e muito trabalho para estudar. Ao lado da mãe, a filha Katiane, arrumando o cabelo e folheando uma revista.
- Aqui em casa precisam levar mais a sério os meus estudos. A Kati, às vezes, vem dizendo que já sabia isso que eu estou contando.
- Mas é que ela conta mil vezes.
- Não conto mil vezes. É que você e o pai às vezes riem do que eu conto.
- Mas é que ela chega da escola e conta tudo que aprendeu. No outro dia, ela conta de novo e quando vai estudar ela chama pra ajudar, mas não quer ouvir o que a gente fala.
- Também, vocês não entendem. Não é fácil aprender ou decorar tudo nessa idade, ainda mais pra quem está há tanto tempo sem estudar. Parece que na hora a gente lembra de tudo, mas depois parece que vai esquecendo. É muita coisa. Você já viu o tamanho da apostila?
Aos poucos a família reconhece na mãe e esposa uma batalhadora. Uma mulher que passo a passo busca vencer as dificuldades e as provações que a vida lhe impõe. A maior delas, com certeza, não são os estudos, mas a dificuldade que teve e tem de criar, junto com o marido Leodir, o filho excepcional, Juliano, que nasceu em fevereiro de 1990.
As forças do casal foram dedicadas ao filho. O trabalho dobrado e o dinheiro investido em tratamentos.
- Mas graças a Deus com o esforço todo que a gente teve, hoje o Juliano está bem. Um médico disse que se não tivéssemos feito tudo o que podíamos, a situação do Ju poderia ser bem diferente do que é hoje.
Juliano, aos 18 anos de idade, está aprendendo aos poucos a escrever. Não sozinho, mas com a ajuda de professores da APAE e da mãe, que não mede esforços para ensinar o filho.
- O Ju não escreve sozinho, precisa ir falando as letras e fazendo associações. Esse é o “A” de “Amor”. O “I” de “Ivone”, que é o nome da mãe.
À mesa enquanto Ivone estuda, Juliano, muitas vezes, senta-se ao lado. Enquanto mãe lê sobre geografia, o filho fica rabiscando folhas de caderno ou faz desenhos. Mas a mãe não resiste e começa a pedir para o filho escrever nomes da família, de amigos, do trabalho. Mas para isso, interrompe as leituras e dita letra por letra, enquanto faz associações, de diversos nomes para que o filho escreva.
Nas segundas-feiras, horas antes de ir para a escola, Ivone enfrenta uma correria para poder sair de casa. Espera o filho Juliano chegar da APAE e organiza tudo para ele. Ajuda no banho. Separa as roupas. Arruma o jantar ou um lanche para o filho. Dá orientações para a filha que vai ficar em casa e, muitas vezes, sai antes do marido chegar do trabalho.
Ao retornar da escola, por volta das onde da noite, encontra a família toda dormindo. Às vezes, o marido está acordado, esperando por ela.

O tempo diminuiu

Antes dos estudos, Ivone tomava chimarrão nas vizinhas todas às tardes, ou recebia visitas em casa. Agora, divide o tempo entre família, serviços de casa, amigas e estudo.
- Não dá mais tempo para sair. Tem vezes que passo a semana inteira sem ir tomar um chimarrão na minha vizinha de frente de casa, a dona Tereza.
Agora, de volta à escola, Ivone passa a tarde toda em casa, estudando. Lê e relê as lições de geografia. E para o caderno, copia os exercícios de cada capítulo da apostila enquanto pesquisa as respostas.
- Como tem que devolver a apostila no fim do semestre, tem que copiar tudo para o caderno. São muitos os exercícios e dá até dor na mão.
Para a vaidade feminina, o tempo também diminuiu. Quando não dá para ir ao salão de beleza, arruma-se em casa.
- Eu ajudo a Kati a fazer a unha dela. Só uma ajudinha, pois ela já sabe fazer sozinha, e muito bem feita. Aí eu aproveito e faço a minha também, já que no salão é difícil ir por falta de tempo, além de estar sempre lotado e ter que marcar horário com antecedência.
Ivone acostuma-se aos poucos com a nova vida de estudante. A rotina mudou. Mas os gostos não foram esquecidos. Se não dá para tomar chimarrão com as vizinhas, ela arruma e toma durante o estudo. Quando quer mais silêncio, para ler os capítulos da próxima aula, vai com a apostila para o quarto. Senta-se na cama, confortada pelos travesseiros e com uma coberta nos pés, quando está frio. Lê os textos, anota as dúvidas e na próxima segunda-feira está lá, na escola, às sete horas da noite, pronta para tirar dúvidas e rever o conteúdo com colegas e professor.
Autor: Fabiano Fachini

quinta-feira, 3 de julho de 2008

comunidade no orkut

Olá leitores e leitoras
Gostaria de comunicar que este blog vai ter mudanças, apartir de agora serão publicados contos e perfis, quem sabe alguns esaios...
Bom, além disso comunico a todos que este blog ganhou, em homenagem, uma comunidade no orkut.
Esta será uma forma de manter os leitores atualizados das novas publicações.
Desde já obrigado a todos
Fabiano Fachini
http://www.orkut.com.br/Community.aspx?cmm=59846717

domingo, 29 de junho de 2008

Cidadão destaque


Entre todos, ele pode tudo. Satisfaz os desejos de sua grandiosa fragilidade humana. A carteira de couro, toda feita em detalhes, carrega cartões de crédito das mais variadas cores e sabores. Sabores sim, como o delicioso chocolate quente que toma no café da manhã em sua cozinha grande e fria.
Frio que está presente em suas viagens, pois sozinho, não há calor humano que o aqueça, já que também não o conhece. Porém, conhece o mundo de norte a sul e de leste a oeste. Viaja para rever detalhes de lugares em que esteve só.
Compra tudo e todos. Hoje, o cidadão destaque tem poder de comprar e julgar o outro. Outro que ele não conhece. Outro que, às vezes, em um botão qualquer do controle remoto insiste em aparecer como barreira aos limites do cidadão destaque. Mas o outro é frágil e a barreira é quebrada com um simples toque no companheiro amado: o controle remoto.
No carro, os vidros são escuros como a sala onde trabalha de segunda a segunda. No caminho, nada interrompe sua viajem. O silêncio ensurdecedor do carro é quebrado com um grito. O cidadão grita para si mesmo que é feliz e que pode ser modelo para tudo e todos, pois alcançou o sucesso profissional.
Mas, modelo? Para quem, se o outro não existe?


Autor: Fabiano Fachini

terça-feira, 10 de junho de 2008

Chuteiras cor-de-rosa


No país do futebol, as chuteiras mudaram de cor. Não são mais as brancas de Rivaldo ou as amarelas do chamado “fenômeno”. Após a experiência do PAN, chegou a hora das chuteiras cor-de-rosa. O futebol das meninas seduziu a todos os brasileiros. Marta encantou o Brasil, mas já havia encantado o mundo. Uma lástima, pois assim como o país não conhecia a melhor do mundo, também não havia dado ouvidos ao que elas queriam: ser reconhecidas. E olha que em Atenas elas já haviam conquistado esse direito!

Alguns brasileiros recuperaram a alegria de ver futebol, ou melhor, de ver a amarelinha brilhar novamente; trabalhar com a bola como se ela, mais a jogadora, fossem peça única. Até que, por fim, a rede balance e, os gritos e aplausos encham o estádio.

Um futebol de charme e beleza, que envolveu os belos lances do jogo, a unha verde-amarela, os cremes e os penteados. Para aqueles que não viram a seleção de 70 e acreditam ter perdido a fase do “futebol arte”, ver Marta, Cristiane e todo o time feminino esbanjar habilidade em solo brasileiro foi recompensador. Elas enfeitaram o jogo e balançaram a rede com a bola, com o grito e com o choro do pódio.

Muitos perderam o fôlego ao ver a Maracanã lotado, num momento em que a amarelinha é trocada por dinheiro e desafetos. O espírito do futebol ressurgiu ao ver o estádio repleto de sorrisos, e não de brigas; de crianças com bandeiras e não adultos com maldade; num Maracanã cantando e não vaiando. Este foi um momento eterno, assim como os pés de Marta na Calçada da Fama da Maracanã ao lado de outros craques do futebol, como Pelé, Zico e Garrincha.

“Dunga: olha a Marta”, gritaram os novos filhos do futebol. Novos, pois crianças e mulheres foram pela primeira vez a um estádio. Tiraram o corpo do sofá e se deliciaram com uma partida ao vivo. Puderam ver dribles, canetas, embaixadas, chapéus, enfim, um futebol com tesão, diferentemente do apresentado pela “amarelinha pentacampeã”, que apesar de vencer “los hermanos”, mal conseguiu fazer sorrir.

E a esperança continua. Um homem sem esperança tem pouco futuro. Quem sabe a Seleção reconhecida mundialmente, que há anos conquistou respeito e admiração, possa voltar aos velhos e bons tempos. Para os que não conseguirem ver essa reafirmação do futebol penta, apreciem, com satisfação e orgulho, o futebol bonito e alegre das chuteiras cor-de-rosa.

Fabiano Fachini – crônica publicada no Saiba+ em agosto de 2007.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Chaminés

Pensativo, o jovem pergunta: e as chaminés?
O vento bate à porta de casa e, pelas primeiras vezes, o guri não pode se esquentar ao redor do fogão a lenha.
Para um rapaz catarinense, acostumado a temperaturas mais baixas, o frio aqui do centro-oeste está aos pés do frio da cidade natal. Então você, leitor, pergunta: “mas então, para que quer o fogão guri?”. Ele diria, entre suspiros, que é pela saudade do passado e apego às lembranças da cultura.
Quando o frio pensava em bater à porta, a lenha já estava empilhada, rachada e seca, á espera de braços para carregá-las até o fogão, ou melhor, para a caixa de lenha, onde ficava a espera de ser queimada. Caixa de lenha que tinha vários modelos, todos ainda muito visíveis nas lembranças do guri: a tradicional, feita de madeira ou, a convencional, uma caixa de papelão.
O fogo era aceso cedo. Antes de o galo cantar, os gravetos já estavam para virar brasa, junto das grimpas de pinheiro, colhidas na tarde de poucos e rápidos raios de sol que surgiam dispostos a secar o campo.
No estalar das brasas, a família do jovem ia se aconchegando ao redor do fogão a lenha. Das mãos do avô, o chimarrão ficava pronto. A segunda cuia era da avó, que enquanto provava do chimarrão, observava a chaleira com a água a ferver e, o barulho a embalar os primeiros pensamentos do dia. A cuia passava de mão em mão e dava ritmo aos causos contados e, aos afazeres do dia, que ali eram organizados.
E o fogo continuava ali, esquentando a chapa do fogão e aquecendo uma boa prosa. Fogo este que durava quase o dia todo. Só tinha folga depois do almoço, quando o guri acabava com a tarefa que lhe era encarregada: lixar o fogão. O guri, com certeza, não gostava, mas, hoje, sente saudades.
Este mesmo fogo o almoço cozinhava. Com mais alguns pedaços de lenha, as panelas mantinham-se quentes. O aroma da comida caseira preparada com carinho pelas mãos da mãe ou da avó ainda fazem o rapaz ficar com a boca cheia d’agua.
E depois do almoço, não deixavam de provar um amendoim torrado com a casca no forno do fogão a lenha e, também, não resistiam a batata-doce, assada na brasa. Que refeição! Depois disso, só uma cesta.
E as chaminés? Onde ficam elas nessa história?
Diferente da paisagem morta de concreto onde o jovem guri vive hoje, onde o verde cresce quase que por permissão divina, lá, onde as brasas aqueciam o fogão a lenha, o verde era abundante. Um local onde as pequenas propriedades, oriundas da agricultura familiar, tomavam conta da paisagem.
De manhã, então, ao abrir as janelas da casa, uma paisagem natural, como que pintada pelas mãos de Da Vinci, estavam à frente do rapaz. Os movimentos eram poucos: o vento balançava alguns galhos das araucárias, enquanto que a geada derretia lentamente. Ao horizonte, em meio às árvores e plantações, casas de madeira, poucas de material, com suas chaminés a marcar o espaço com a fumaça que, de cada uma delas, saía deixando seu rastro.
Ainda pensativo, o jovem levanta da calçada. Aos poucos, busca enfrentar a nova realidade e seguir seu caminho.



autor: Fabiano Fachini

terça-feira, 20 de maio de 2008

O Moleque Juliano


Era uma vez um moleque chamado Juliano. O nome Juliano por acaso, pois poderia chamar-se Anderson ou Franke, isso é o de menos. Bom! Ele gostava muito de ler, mas era de família pobre, e conseguia alguns livros com amigos da escola e outros com sua professora. Lia também jornal na banca do Zé, seu amigão. Porém, um inconveniente, acreditava fielmente em tudo o que lia, inclusive contos de fada. Então, certo dia, disseram-lhe que nem tudo o que lia e ouvia era verdade. Foi o fim. Juliano sentiu-se abalado. E aí, a desconfiança das histórias que começam com “Era uma vez”.

Ao descobrir esta verdade assustadora a seus olhos, Juliano já estava crescidinho. Entrara na puberdade, e garotas já lhe tiravam a atenção. Apaixonou-se por Ana, garota que se sentava na terceira classe da primeira fila à sua direita. Mas ela era “diferente”, e não depositou nele nem mesmo sentimentos de amizade. Decepcionou-se e lágrimas ardentes feriam-lhe o rosto e a alma. Cicatrizes doloridas. A dúvida em relação ao amor chegou ao peito de Juliano.

Fugindo da desilusão amorosa, decidiu, então, entrar na política. Leu e releu teorias políticas, acompanhou eleições e investiu em seu belo palavreado, porém, interesse nenhum despertou em seus amigos. Investiu no “Juliano de gravata”, assim, tornou-se conhecido e, venceu as eleições. No entanto, não cumpriu as promessas. Por fim, voltou a dizer o velho chavão que há tempos aprendera: “Todos os políticos são iguais”. Mas, agora, incluía-se nesse grupo. Juliano decepcionou-se com a política.

E a religião? Que tal? Leu salmos e cânticos, evangelhos e outros livros da sagrada Bíblia. Analisou e questionou-se. Buscou ajuda com padre e pastores, mas restaram-lhe dúvidas na cabeça acerca da religião e da fé. E a decepção por não encontrar respostas abalou sua fé.

Depois de tantas decepções, Juliano decidiu confiar seus segredos aos amigos. Outra decepção! Agora, com os amigos, enfim, com a humanidade. Eles não eram seguros como esperava. Duvidou que continuar ajudando e consolando o próximo o ajudaria.

No final da vida, ainda estava triste e em busca de algo bom para si. Juliano sentia feridas se cicatrizarem, não eram cicatrizes no braço ou na perna, eram cicatrizes na alma. Cicatrizes das tristezas vividas, que agora, retratavam-se em seus olhos. Porém, ainda restava-lhe esperança e decidiu confiar em si mesmo, ser exemplar! Mas errou! Errou várias vezes. E assim, desacreditou e duvidou de si mesmo.

E você leitor, desconfia de contos que comecem com “Era uma vez”? Então, não pode esperar um final “E todos viveram felizes para sempre”, nesta história.


autor: Fabiano Fachini

terça-feira, 29 de abril de 2008

Prazeroso Acessório


Sempre tem alguém usando. Seja homem ou mulher não abre mão deste acessório. Antes, só moças e os “ditos” rapazes usavam. Agora, até adolescentes usam e quem diria os idosos.

Realmente, aquela história de que há tempo para tudo... dá o que falar.

Uns são cumpridos, com a ponta grossa e, algumas vezes, estão revestidos de uma camada fina de borracha ou até mesmo de lã...

- O que vale é o gosto do cliente. Diriam os vendedores. Afinal, vender mais e mais é a alma do negócio.

Mas deixando de lado a parte econômica e voltando a falar de preferências...

Tem aquelas que preferem os acessórios curtinhos, se bem que há “outros” com esse gosto... Isso mesmo. Cabo curtinho e o encaixe mais reforçado. O revestimento segue os padrões do anterior. Ainda tem aqueles que possuem até um detalhe extra, seja ele mais ou menos redondo.

Diariamente estão sendo usados, seja no quarto, na sala, nas praças, em shows, nas ruas, em ônibus e por diversos lugares onde o dono do acessório achar interessante e prazeroso levá-lo consigo.

As cores satisfazem a todos os gostos. Nem mesmo as patricinhas mais requintadas que circulam pelas passarelas da vida podem reclamar do acessório. Uns são verdes, pratas, pretos, amarelos ou multicoloridos.

Cor, cores e gostos satisfeitos são sinônimos de prazer conquistado.

Fones de ouvido com super tecnologia e design apurado estão por aí.

autor: Fabiano Fachini



quarta-feira, 23 de abril de 2008

"pra" Facilitar

Algumas vezes se complica as coisas por força do destino e outras, porém, pelo hábito. Mas há pessoas espertas, dispostas a, pode-se dizer, “facilitar”.
Enquanto procura conseguir uma passagem na Transurc, um senhor exibe um equilíbrio extraordinário, aquele que só se consegue depois de algumas “doses”. Com a cintura escorada e os cotovelos apoiados no balcão da empresa, este cidadão conversa, ou ao menos tenta, com todos os presentes na sala, sejam eles motoristas, estudantes ou atendentes.
Além de se “gabar” do relógio que há pouco adquirira no camelódromo de Campinas, o senhor arrisca alguns passos, mas é surpreendido pela gravidade. E como lutar contra a gravidade é tarefa “complicada”, a decisão é voltar a se apoiar no balcão.

Como o assunto é prevenção, ou melhor, “facilitar” as coisas, não há como não citar este senhor, pois se mostra perito nessa arte.
Na mão esquerda leva uma garrafa de cerveja. A marca não é conhecida, pois o rótulo se perdera. Levar a cerveja para lá e para cá não retrata a sabedoria deste senhor. Há um detalhe que o torna exímio conhecedor da arte do “facilitar”.
Na mão direita, tão ou mais firme que copo cheio em mão de bêbado – se bem que ele estava –, há uma chave de abrir garrafas. Deve ter pensado: se o garçom quebrar a chave dele, eu é que não vou ficar na mão!


Autor: Fabiano Fachini

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Cidade Piada

Ora bolas e buce... bucechas. Observei alguns detalhes na última viagem para minha bela e Santa Catarina. Pequenos, porém, tão fortes...
Tem um lugar chamado Britaxan, em Xanxerê. Isso mesmo, cidade que faz parte do circuito Xaxim, Xanxerê, Chapecó... E a gurizada aprontou. Colocaram um “a” no final do nome da britaria. O nome ficou Britaxan'A'. Que piazada! Desde pequenos criando palavras. Que vocabulário!
E a religião entrou com tudo. Ora bolas e bucechas. E Jesus entrou no meio. Isso mesmo, na cidade de Bom Jesus, “Jesus” é o que não falta. Tem de tudo: Mecânica Bom Jesus, Churrascaria Bom Jesus, Igreja Bom Jesus, Padaria Bom Jesus. Só não ficou comprovado o nome do Motel. Ora bolas e bucechas. Nos fundos da cidade têm um Motel, e será que Jesus escapou desse? Ou foi parar nesse?
E o dono de um supermercado está sempre trançando as pernas. Também, não há o que reclamar. Ora bolas e bucechas. O próprio supermercado chama-se Tio Beba!
O que há o que há. De agora em diante, só compro no Juquiá.
Ora bola e bucechas. Se Tio Beba concordar, vai passar a fazer rancho no mercado Juquiá, que fica ao lado da Igreja Bom Jesus, as direita da Britaxan(a), além de poder observar a vista para os fundos, onde fica o Motel de Bom Jesus.
Ora bolas e bucechas. Vê se não te queixas.


autor: Fabiano Fachini

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Aviso primeiro: Tranque a porta!

Se há algo fundamental e que desde criança deve-se aprender é trancar a porta. Seja com chave, com trinco ou tramela.
Na ausência destes, faça o possível para firmar a porta com um móvel ou, ainda, com o próprio pé.
A finalidade maior destes cuidados é evitar experiências constrangedoras, tanto para aquele que se esqueceu de trancar a porta como para aquele que abrir sem bater.
O girar da chave é essencial, mais do que se possa cogitar. Em um ônibus então, como é importante girar a trava de segurança do banheiro.
Para começar, use-o em casos de extrema urgência, pois as condições são um tanto quanto nauseantes.
Não tenha medo de girar a trava do banheiro, pois ela não impera, ao menos foi criada para isso.
Mas para aqueles que desconhecem a função “evite constrangimento” da trava, deixa a mercê todos os outros que, em última instância, dirigem-se para satisfazer as necessidades mais intimas e reveladoras de um ser humano.
Calças arriadas até o joelho; cotovelos apoiados na parte superior do joelho e mãos apoiando o queixo cansado e o rosto de sono. Pai de dois meninos, este senhor aparentava os 55 anos de um homem que viveu do trabalho pesado e desgastante.
Mas ali, nessa posição, era um homem qualquer, tão desprotegido quanto à própria careca ao sol.
A triste visão não durou um quarto de segundo. O impulso criado pela visão do estranho e constrangedor fez com que, em menos de um piscar de olhos, o braço que abriu a porta torna-se a fechá-la.
Os olhos assustados e ao mesmo tempo incrédulos no que viram procuraram pessoas acordadas que pudessem ter presenciado a patética cena. Mas todos pareciam dormir, afinal, eram 3 horas da madrugada.
De volta à poltrona, a única coisa que os olhos viram, antes de cair em sono profundo, mesmo que entre risos, foi o senhor voltar para seu lugar junto dos filhos e, passo a passo, a procura do invasor de privacidade, o qual não encontrou.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Momento nariz

Então ele passou a mão direita pelo nariz, enquanto que à mão esquerda estava uma sacola com compras de supermercado. Nada de mais, apenas um litro de óleo, um pacote de arroz e um pacote de balas de café. Os produtos se faziam ver devido a transparência da sacola adquirida no “1 real”, onde se satisfaz o desejo do consumo.

Novamente, a mão volta a coçar o nariz deste homem que aparentava mais de cinco décadas vividas na labuta.

De costas era como eu estava vendo este senhor que caminhava em plena praça da 13 de maio. O movimento era grande na avenida. Pessoas comprando roupas, outras carregando sacolas de alimentos, outras com diversos objetos nas mãos. Entre os mais apreciados, estavam os sorvetes, refrigerantes, pastéis e cochinhas que são vendidas ali mesmo na praça, por diversos ambulantes.

A os passos largos acompanhei esse senhor, uma figura distinta. Com olhos fixos à sua frente, ele passou por mim. Ao desviar dos outros pedestres, habilidade e agilidade de um jovem de poucos anos. Segurança na hora de encarar as pessoas e exigir, inconscientemente, com sorriso de homem experiente no rosto, que saíssem da frente. Afinal, a preferência é dos mais velhos.

A mão volta a coçar o nariz mais uma vez. E mais outra. O senhor não segurou a vontade de expirar.
O expiro veio forte e seguido de uma exclamação: “Nossa! Que coisa!”
Mas não parou por aí. O nariz estava incomodando esse senhor que vestia um terno já gasto pelo tempo e um tênis amarelado pela falta de água.

A mão direita retomou sua função: coçar o nariz. Mas, desta vez, ela realizou novas funções. Desta vez, nada de só coçar, ela iria ter atitude.

Ao coçar o nariz, este senhor usou dois dedos com muita precisão. Ele estava de costas para mim, mas, mesmo assim, pude imaginar como se deu o ato, pois por pouco não caiu sobre meu pé algo indesejável.

Ao apoiar o dedo polegar no lado direto do nariz, o indicador já tomou a posição de pressionar o lado esquerdo e, junto ao expiro, os dois dedos trabalharam em conjunto para retirar o liquido indesejável do nariz que há tempos incomodava.

Cara de nojo e de estranheza foi o que fez a jovem que estava de frente para este senhor, especialmente na hora em que, despercebido, após pressionar os dedos indicador e polegar no nariz, balançou a mão direita para o chão, livrando os dedos do fruto da gripe. Aquilo caiu a um centímetro do meu pé.

Nojo? Talvez, apesar de na hora ter vindo à mente uma frase usada em aula pelo meu professor de filosofia: “nada que é humano nos pode parecer estranho”.
Ora. Estranho talvez não tenha sido tanto, afinal, quem não expirou; quem não lambuzou os dedos numa forte gripe; quem não assuou o nariz em qualquer lugar quando estava sozinho ou entre os mais conhecidos.

Momentos e momentos, eis a essência de nossa vida.
Aliás, depois disso, o senhor passou a mão pelo terno, como se estivesse a ajeitá-lo e seguiu seu caminho. Primeiro, parou no sinal e, ao abrir o verde, caminhou em direção ao ponto de ônibus. Ou seja, os resquícios estão na nota com que pagou o ônibus ou na mão do primeiro amigo que encontrou e saudou com aquele aperto de mão amigável.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Chaminés

Por oras me pergunto: e as chaminés?
Em pleno tempo de inverno sinto o vento bater à porta de casa e, pelas primeiras vezes, não posso me esquentar ao redor do fogo.
Para um jovem catarinense, acostumado a temperaturas mais baixas, o frio aqui do centro-oeste está aos pés do frio sulino. Então você, caro leitor, me pergunta: “mas então, para que quer o fogão?” Eu diria, com saudade, que é pelo apego às lembranças de minha cultura.
Quando o frio pensava em bater à porta, a lenha já estava empilhada, rachada e seca, á espera de braços para carregá-las até o fogão, ou melhor, para a caixa de lenha, onde ficava a espera de ser queimada. Caixa de lenha que tinha vários modelos: a tradicional, feita de madeira ou, a convencional, uma caixa de papelão.
O fogo era aceso cedo. Antes de o galo cantar, os gravetos já estavam para virar brasa, junto das grimpas de pinheiro, colhidas na tarde do dia anterior durante os rápidos raios de sol que surgiam dispostos a secar o campo.
No estalar das brasas, a família ia se aconchegando ao redor do fogão a lenha. Das mãos de meu avô, o chimarrão ficava pronto. A segunda cuia era de minha avó, que enquanto provava do chimarrão, observava a chaleira com a água a ferver e, o barulho a embalar os primeiros pensamentos do dia. A cuia passava de mão em mão e dava ritmo aos causos contados e, aos afazeres do dia, que ali eram organizados.
E o fogo continuava ali, esquentando a chapa do fogão e aquecendo nossa conversa. Fogo este que durava quase o dia todo. Só tinha folga depois do almoço, quando eu acabava com a tarefa que me era encarregada: lixar o fogão. Sinceramente não gostava, mas, hoje, sinto saudade.
Este mesmo fogo o almoço cozinhava. Com mais alguns pedaços de lenha, as panelas mantinham-se quentes. O aroma daquela comida caseira preparada com carinho pelas mãos de minha mãe ou de minha avó, me dá água na boca ainda hoje.
E, depois do almoço, não deixávamos de provar um amendoim torrado com a casca no forno do fogão a lenha e, também, não resistíamos à batata-doce, assada ao calor da brasa. Que refeição! Depois disso, só uma cesta para reanimar o corpo.
“E as chaminés?”. Deve estar se perguntando o meu amigo leitor. Pois bem, falo delas agora.
Diferente desta paisagem morta de concreto que vejo, hoje, onde o verde cresce quase que por permissão divina, lá, onde as brasas aqueciam meu fogão a lenha, o verde era abundante. Um local onde as pequenas propriedades, oriundas da agricultura familiar, tomavam conta da paisagem.
De manhã, então, ao abrir as janelas da casa, uma paisagem natural, como que pintada pelas mãos de Da Vinci, estavam à minha frente. Os movimentos eram poucos: o vento balançava alguns galhos das araucárias, enquanto que a geada derretia muito lentamente. Ao horizonte, em meio às árvores e plantações, casas de madeira, poucas de material, com suas chaminés a marcar o espaço com a fumaça que, de cada uma delas, saía deixando seu rastro.
Quantos costumes deixamos ao sair de casa. Quantas mudanças enfrentamos. Seja do sul ou do norte, do leste ou do oeste, os costumes mudam, mas a saudade é a mesma.

Cena I

Uma foto e mil palavras


Em pleno meio dia não tem como.
Não tem como segurar o sono, nem a fome. Enquanto mãe descansa, vitima do implacável sono, que não perdoa o cansaço do trabalho, nem o esgotar das energias, o bebê se alimenta.
Meio mal arrumado e nem tão confortável, apesar de colo de mãe ser como travesseiro de nuvens, o bebê curte seu lanche: uma mamadeira de leite.
O leite já não deve ter o sabor de antes, pois só no ônibus ele já está há uma hora. Talvez a mãe o tenha preparado antes de sair de casa, quem sabe 10h ou 11h da manhã.
Já passava do meio dia. A temperatura não era das melhores, pois estava abafado. Todos suavam. Os adultos sentiam-se incomodados e, a criança, então, nem se fala: no colo cansado da mãe, sem uma companhia para lhe sorrir; sem uma mão para lhe acariciar, a não ser o “calor” da proximidade da mãe, que todo filho sente, mesmo quando preza nas garras do sono, estava distante.
Seus olhos transmitiam um ar de curiosidade. O que pensava ela? O que formulava em seu pensamento livre das complicações e comparações adultas? Talvez estivesse tentando descobrir porque aquelas pessoas entravam e lotavam o ônibus, mas, do nada, sem motivos "compreensíveis" para aquele bebê, elas saiam e deixavam o ônibus vazio e, seus olhos, sem vidas para observar.
Talvez o bebê, cujo nome não se sabe, ainda não compreenda que a vida dos homens é assim: uma hora cheia, repleta de olhares e sorrisos, mas, de repente, vazia, sem muitas companhias. Os amigos da escola seguem caminhos diferentes; os da faculdade trabalhos distantes do seu; e, aquele discurso de que "vamos nos encontrar depois de formados" é ilusão. Ninguém volta a se ver, a não ser por acaso. Os familiares, alguns partem, outros se distanciam. Só alguns ficam.
E, assim, a vida passa e o ciclo recomeça, até chegar a hora de você descer do ônibus.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Uma cidade qualquer



É numa feia cidade de um belo povo que tudo aconteceu.
O feio viajante chegou na feia cidade e avistou a bela moça. Olhou e pensou:
-Bela.
A bela moça notou a presença do viajante e pensou:
-Feio.
O feio viajante se dirigiu à moça e na aproximação dos corpos entreolharam-se os olhos feios e belos.
Os feios disseram:
-Que belos.
Os belos disseram:
-Que feios.
O sorriso de um era belo e do outro feio.
O feio viajante começou a conversar com a bela moça e percebeu que de belo só o corpo. Enquanto a moça reconheceu no viajante o mais feio belo homem que conhecera em seus anos de vida.
A bela moça se apaixonou pelo feio belo viajante. Mas o feio viajante recusou a bela feia.
O corpo feio do viajante desejou o belo corpo da moça. O belo interior do homem sentiu repulsos do feio interior da moça.
O belo corpo da moça ignorou o feio corpo do homem. Já o feio interior da moça se curvou aos belos sentimentos do homem.
Os dois eram feios e belos, mas nem sempre os opostos se atraem.
Assim, o viajante deixou a feia cidade das mais belas feias moças que conheceu em suas andanças pelo mundo como caixeiro-viajante.
(F.Fachini)