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terça-feira, 15 de setembro de 2009

Baú de Histórias I

Sustos e badalos

Por Fabiano Fachini

O sino toca e ao invés do sinal da cruz em agradecimento, mãos se perdem entre braçadas e passadas aceleradas. Entre gritos e pedidos de salvação, os fiéis correm da praça da Vila São Carlos, atual Campinas. O fato ocorreu em 1832 e, no livro Ontem e Anteontem, de Julio Mariano, o fato é narrado assim: “em dado instante, como que movidos por uma só idéia, povo, soldados, serventuários do Fórum, autoridades, juízes, em confusão, aos gritos, correram para todos os lados”.


O sino havia tocado sozinho, no exato momento em que davam o veredito do julgamento do Pe. Joaquim Anselmo de Oliveira, que na época havia sido acusado de roubo de um objeto de prata - fato forjado por latifundiários da região, que queriam ver o padre abolicionista longe dali.

No 27 de novembro de 1835, muitas pessoas se reuniram em frente a Matriz da época, atual Basílica do Carmo, e ouviram o juiz inocentar o padre. No veredito final, ouvem-se as badaladas do sino, e, como não havia ficado um fiél sequer longe da praça, só podia ser obra divina, assombração, um sinal para os pecadores.

Mas o susto foi ainda maior quando, alguns corajosos decidiram averiguar o sino. “Uma vaca branca mastigava o cânhamo do sino. Milagre! Castigo! Misericórdia, Senhor! E muita gente fazia, às pressas, o sinal da cruz”, relata o livro. Aos curiosos, tranqüilidade, pois o sino, na época, ficava mais baixo do que é hoje.

O padre acusado ainda ficaria na história, não mais pelo fato incomum, mas pelo batismo. Alguns anos depois, Anselmo voltou para a matriz, e, em 1838, batizou um menino entre muitos, mas que se tornaria o grande maestro Antonio Carlos Gomes.

Texto publicado na revista ATribuna, órgão oficial da Arquidiocese de Campinas. Nesta revista, sou colaborador, desenvolvo o projeto "Baú de histórias". Esta foi a publicação número 1, logo você poderá ler as outras edições aqui no blog.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Baú de Histórias

Precisa de Algo dona Maria?
Apenas que venham à missa...

Por Fabiano Fachini

Me sinto feliz por poder servir. Olha que lugar bonito. Vou preparar tudo bem bonito para a missa. Agora não tem ninguém, mas logo vai chegar. Senão, nós rezamos nós mesmos. Não tem problema. A capela tá fechada pra reforma, mas esse lugar é divino. Olha que sol lindo, tem o verde, a água do lago, os pássaros...

Enquanto fala, a negra de muita história e mãos firmes, aos 63 anos, organiza o altar no ripado do Parque Ecológico Monsenhor José Salim, distrito de Sousas, em Campinas. Traz de casa as flores. Junto com as margaridas, coloca ramos verdes. Um vaso lindo. Separa as velas e a cruz. O altar está pronto, não fosse a dificuldade em firmar a vela no castiçal e colocar o crucifixo no centro da mesa. Afinal, eram duas mesas redondas e o vão do meio impedia o equilíbrio.

Dona Maria José Aparecida de Paula é a terceira geração da família a morar Parque. Hoje vive com o pai de 87 anos e os filhos na antiga casa da família. Aos 42 anos de matrimônio com um homem devoto e batalhador, lembra que começou a namorar na noite de São Pedro, e agora convive com as lembranças. Afinal, tem um ano que toma conta da capela do Parque Ecológico, e esse um ano será celebrado também no dia de São Pedro.

Em 2007, quando o esposo Benedito Aráudo de Paula faleceu, dona Maria se apegou ainda mais a fé. Como vive dentro do Parque, assim como as gerações passadas, ela freqüenta a capela ali construída. Outra senhora tomava conta, mas há anos não eram feitas missas. E foi a partir do momento que Dona Maria assumiu a capela, há um ano, que elas voltaram a ser celebradas.

Dona Maria é a secretária, a ministra, a fiel, a amiga... Todos a conhecem, e prometem para ela, e não para o padre, que voltarão no próximo terceiro domingo, para participar da missa.
Voluntária, dona Maria limpa a capela e deixa tudo em ordem. Os visitantes do Parque se impressionam com a negra de “muitas histórias”. “Me param pra tirar foto enquanto limpo a capela. Eu digo não! A capela é mais bonita, mas quando vejo tão tirando de mim com a vassoura na mão” conta sorrindo.

Um sonho ainda por realizar se mantém vivo. Ela quer colocar um tapete vermelho na capela. Da porta até o altar e, por traz do altar. Como? “Com o dinheiro da oferta”. “Mas e as velas dona Maria”, pergunto curioso. “Tudo vem do meu bolso. E olha, não me faz falta alguma”, sorri.
Do bolso de Maria, vem as velas, as flores, o presente “discreto” que ela entrega ao padre no final da missa, e o divino bolo de banana para um lanche após a missa. O mesmo bolo que ela vende na ferinha aos domingos no Parque.

A missa tem início. São quatro pessoas. O padre, uma senhora que aguardava a filha voltar da ginástica e eu, repórter. Mas, logo chegam mais pessoas, e cada um é acolhido com um rico e aconchegante sorriso da humilde e simples dona Maria. Na benção do padre, já eram 18 pessoas. Destas, seis crianças encantadas com o bolo da vovó na hora do lanche.

Na capela, alguns acreditam ser a imagem de Nossa Senhora do Destero, outros Nossa Senhora do Socorro, mas o importante, como ela conta “é ter onde fazer a missa”. A capela está sendo reformada, e a única tristeza de Dona Maria é ter que fechar a capela. Mas é provisório. Em agosto ela pretende voltar a limpar o altar e continuar a sonho do tapete vermelho, enquanto espera a todos para o terceiro domingo do mês participar da missa.

Precisa de algo Maria?

“Apenas que venham à missa”.

Texto publicado na ediçãode agosto, da Revista A Tribuna.