CENA I
O jovem insiste:
- Posso limpar?
- Não. Não precisa.
- É ‘rapidão’ tio.
E com habilidade passa a limpar o pára-brisa de um pampa, cor prata, desgasto pela idade.
São seis fortes passadas de espuma de um lado para o outro. E mais dez para tirar a espuma marrom. O sinal verde abre. No meio da pista, o menino, de 13 ou 14 anos, aguarda o pagamento.
Estica a mão na janela do carro e sai pulando. Feliz.
O pagamento vai parar na orelha. Aos poucos, o cigarro recebido como fruto do árduo e rápido trabalho da limpeza é exibido como medalha no peito.
Orgulhoso, o menino balança os braços. Depois cruza-os e exibe-se com firmeza de “pequeno homem”. Não mais menino, pois o cigarro o tornou homem. Viril. Forte. Ágil.
Tira o cigarro do lugar de destaque, já não mais branco, pois as mãos estavam sujas, ora com a mão direita, ora com a mão esquerda. O fumo salta de uma mão à outra, entre um sorriso e outro. Depois, volta ao lugar de honra, apoiado na cavidade superior da orelha direita.
O homem do pampa não viu a cena, pois com a visão limpa a custo de um cigarro, aproveitou para tirar vantagem e sair cantando pneus.
CENA II
Rua 13 de maio. Movimentada. O relógio marca, em sonoros badalos, o meio dia.
O gaiteiro ou sanfoneiro, artista de rua, amontoa-se no canto da calçada com seus pitocos de pernas cruzadas e as mãos ágeis a solar a gaita, enquanto os olhos mantêm-se fechados. Não por que quer, mas é obrigado. É a cegueira que lhe toma conta.
Entre a agitação do povo, no sobe e desce frenético da rua, um casal agacha ao lado do artista. Com poucas palavras da mulher, que aparenta meia idade, a gaita cai sobre os pitocos. Praticamente abandonada.
Um sorriso amarelo e preto se abre, mas logo se fecha e se enche de sabor. Um sanduíche quentinho, comprado há pouco em uma barraca ao lado está, agora, nas mãos do artista. Com a mão na cabeça do devorador de lanche, como mãe que acalenta o filho, ela fala do suco que está aberto no chão, á frente das pernas do artista. A cabeça se ergue, e um sorriso de boca cheia agradece ao lanche.
Como quem não tivesse feito nada, a mulher sai de mãos dadas com o esposo. Satisfeita e sorridente.
Ao lado da Catedral, ela parece ter lembrado dos ensinamentos de Jesus aos fiéis, quando disse: que tua mão esquerda não saiba o que a direita faz.
CENA III
Previsão de um vidente qualquer, destes que anunciam trabalhos nos pontos de ônibus, banheiros públicos, postes...
“Alguém lê ou observa a cena I e II e não percebe a diferença”.
Este Blog procura retratar o cotidiano por meio de textos que buscam uma aproximação com as chamadas crônicas, tendo em vista o grande dilema que há em relação a este estilo, seja ele do jornalismo ou da literatura. Estas crônicas são criadas a partir de fatos e observações presenciadas ou vividas no dia-a-dia pelas mais variadas pessoas que perambulam pelas praças, ruas, avenidas, lugarejos, cidadelas, ônibus, bares, jardins... Ora visíveis e outras muitas invisíveis. Boa leitura!
Seja bem-vindo ao FalaGuri. Boa leitura amigo internauta. Hoje é
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O texto é tão bom que elogiar é ser redundante.
ResponderExcluirsimplesmente perfeito!!!
Bjocas guri!!!
Guria .... obrigado pelas palavras.
ResponderExcluirQue bom saber q passa por aqui dar uma olhadinha nestas minhas "andanças nas plavras"..
bjs Lai
sucesso pra vc Doutora.
Genial! Nossa, muito bom mesmo, Fachini!! :)
ResponderExcluirOi Fachini, tudo bom??
ResponderExcluirDei uma passadnha para ler o blog. Muito legal. Parabéns. Achei sensacional este texto, assim como todos os outros. Mas este, particularmente, fantástico!!
Sucesso para vc!!
Beeeeijos =)
Fachinão, cara! Vc tem algo de especial. Não permita que um mundo mais áspero do que as suas palavras o façam perder a sensibilidade que tem, tão rara hoje em dia...
ResponderExcluirum beijo de quem te admira de longe. Ju Biscalquin