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quinta-feira, 18 de junho de 2009

Diploma de Jornalista

Eu, Fabiano
ofereço, a partir de hoje
serviços de:

Culinária... Temos a sopa de letrinhas. Olhem só!!! Está boiando um “J”... Olha lá um “o”... Tem mais um “r” ali perdido... Veja tem a silaba grudadinha “na”... Ainda tem bem no fundo da panela um “L”... Hummm difícil, mas é o “i”... Olha a cobrinha “s”... Veja, é mais uma sílaba juntinha “ta”. Deixa ver... ahhh entendi, é aquilo que todo mundo faz, melhor, é igual a ser pobre: sempre tem quem é, será, e já foi. É “jornalista”. Fácil, não?

Advocacia... Vossa Excelência, se eu lhe resumir em 3 linhas o que está em julgamento, o senhor dá parecer favorável ao meu cliente? De exato o juiz faz cara de desconfiado, mas acha impossível que o advogado faça isso. Afinal, o caso é complexo. No entanto, pensa baixo o advogado: mal sabe ele que já fui jornalista e usarei a técnica do lead (risos da bruxa malvada). Resultado: absolvido.

Arquitetura... Sim, fique tranqüilo. Os empregados seguirão minha ordem. Se eu entendo de números? Claro, sou um expert em medidas. Até mais. De volta à obra: senhores, vou passar as medidas pra vocês erguerem esse prédio. Esta parede terá em torno de 52 metros. Algo aproximado. Já esta da frente, terá uma cobertura diferente, então coloca uns 3 ou 5 metros a mais. Mas senhor, assim é complicado. Fique calmo. Confie na construção e nas minhas palavras. E dica: o que não for muito interessante, joga pro fundo da obra. Melhor, deixa pro final. Tudo fica de pé, e quem cai não somos nós. Mas fica claro que isso jamais acontece.

Design... Fique tranqüilo. Está comigo, está com DEUS: o designer da terra... Olha, vamos trabalhar com a arte da palavra. As dimensões das letras e dos sentidos e significados. Vamos viajar de ponta a ponta com este logo. (início {.[.{.[,{,[,{.[,{[{;}~];}~];};]~}~;]}]} FIM). E claro, como todo designer tenho projetos de cadeiras. Sim, umas são ótimas: cadeira para macho, para mulher, para viad... digo, para torcedor do são paulo. Sua empresa vai aos céus!!!

RP &PP... Faço, com certeza faço. Além de PP & RP já fui jornalista, esqueci, todos são. Desculpe a heresia. Mas confie. Ao menos você não terá erros de português na frase. Boa vantagem, não? E o evento então... conheço uma por uma das personalidades. Vou chamar cada um pelo nome conforme você pediu.

Administração... Administro seu negócio como administrava meu texto: tira daqui, põe ali. Apenas trocar: diminui texto, por diminui salários; seja objetivo, por seja taxativo; e assim por diante que no final teremos lucros.

Psicólogo (incluso auto-ajuda grátis)... Pode falar, eu te escuto. Se quiser, te entrego uma versão escrita de seu monólogo.

Confissão no lugar do padre (sim, pois eles têm diploma pra isso)... Caso esteja envergonhado de contar seus podres para uma santidade, conte-os para mim. No máximo, vou rir com eles na mesa de um bar com uma gelada e a turma do futebol. Se for caso de traição, quem sabe não marcamos um chope e você dá o troco no marido?


Professor... Ensino de tudo. Matemática, português, inglês, geografia, redação e até mesmo a complicada ética. Sim, afinal, ética vem do berço. Não é assim que se fala por aí?
Médico... Com vantagens: atendo na sua própria casa e cobro a metade do preço. Afinal, é como o lead 3Q+COP: Quebra, Quebra e Quebra de novo... Depois Corta, aí Organiza. E, no fim, é só Prender tudo junto. Fácil.

Candidato-me a um cargo no STF... Estou disposto a assumir um cargo na zona. Afinal, na zona, todos ganham. A puta ganha dinheiro e moradia; o chefe ganha mais dinheiro e sexo grátis; os visitantes ganham prazer; os psicólogos boas histórias e dinheiro; e...

...

Afinal, se todos podem ser Jornalistas e fazer o que eu faço... Porque diabos não posso fazer o que os outros fazem?

OBS: o fim da obrigatoriedade do diploma é uma sacanagem. É como comer uma prestadora de serviços eróticos públicos e não pagar; é como chamar o amigo pra ver jogo em casa e oferecer cerveja quente; é como tirar picolé de criança; é como enfiar o dedo no bolo de aniversário do outro antes ainda dos parabéns; é como ser enganado ao sair com três mulheres que na verdade não eram mulheres...
O diploma é necessário e ponto final. Argumentos? Será que precisa de argumentos? Toda profissão deve ser regulamentada para acolher e valorizar aqueles que prezam pela ética e pela boa execução de seu trabalho.

---depois apresento as demais profissões a que me candidato a exercer.

gracias

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Cena III

Uma piada na contramão

Local: Barraca de cachorro quente da prefeitura
Envolvidos: um casal santo e o piadista
Vitima: a sogra


Uma mulher mais ou menos santa. Aparenta 3 décadas de vida. Veste um escuro vestido longo e uma branca camisa de gola, que esconde um crucifixo. Na mão direita, apertada contra o peito, uma bíblia de capa azul e de zíper. Apenas pude ler “Novo Testamento”.
Na mão esquerda, com uma aliança dourada, a mulher segura firme a mão do marido, um negro fino, bem fino, mas elegante. Usa sapatos pretos, bem engraxados e calça escura social. Cinta preta e de fivela prata sem marca alguma. Ele vestia ainda uma camisa social manga longa, abotoada nos punhos e fechada na gola por um nó simples da sua gravata azul. Dele, o que chama a atenção não é a pouca idade, mas o ralíssimo bigode, o qual com a mão esquerda esfrega diversas vezes.
- Vim de Piracicaba para provar seu cachorro quente.
- É mesmo? Responde com ar de brincalhão o dono da barraca.
- Meu amigo falou: o cachorro quente da prefeitura é o melhor.
- Não sei não se é não! Responde entre sorrisos.
Interessante como a localização da barraca deu nome ao cachorro quente. O hot dog é vendido em uma das esquinas da prefeitura. Reúne, diariamente, centenas de pessoas loucas por um pão com salsicha, molho, mostarda, maionese, catchup, milho, ervilha, purê de batata...
O diálogo aconteceu após um longo tempo de espera na fila. A frente do santo casal, 15 pessoas. Atrás, outras muitas.
- Me faz dois cachorros quentes.
- Normal?
- Isso mesmo. Aliás, aproveita e faz mais um pra eu levar pra sogra.
- O dela é normal?
O tom foi provocativo. Mas certeiro como pedrada em balão de vespas. Um minuto de silencio do casal e umas boas gargalhadas do vendedor de dog’s. Já a mulher, reprovou a brincadeira. Na expressão da face, parecia dizer:
- Não quero mais. Fique pra você esse pão com salsicha!
E, se posso contar, parecia que saíria batendo nele com a bíblia.
Palavrão? Não, ela era santa demais para isso. Porém, quase... Já o marido, cabisbaixo, sabe que o silencio é a melhor defesa.
- São seis reais. Cobra o piadista de esquina.
- Aqui está. Responde o esposo amedrontado.
Enquanto o homem paga, a mulher desenlaça os dedos do marido e vai deixando sozinha o lugar. Uma leve, ou melhor, uma forte expressão de raiva a acompanha.


Por Fabiano Fachini

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Baú de Histórias IV

Tic-tac... tic-tac
As horas que passam no compasso da fé

Por Fabiano Fachini

- Que horas são?
Ela se volta para o alto, em direção a catedral, e aponta de leve, com a mão cansada, e num atento olhar de respeito exclama, entre um leve suspiro:
- São sete horas, moço.
A hora perguntei de propósito e escolhi, a dedo, a pessoa de quem queria ouvir a resposta. Era hora da missa matinal, na Catedral Metropolitana de Campinas.
O relógio no alto da fachada, entre duas grandes janelas em arcada, fica de frente para a Praça Nossa Senhora do Carmo, também nome da matriz. Ele marca o passar do tempo, da história, da vida e do cotidiano dos campineiros e dos filhos adotivos que se instalaram por aqui.
Enquanto muitos passam e fazem o sinal da cruz, outros apressados e desconfiados olham a hora. Milhares de pessoas passam diariamente por ali, algumas a trabalho, outras entram para a missa e, outros, para uma breve benção.
Mas esqueci, tem os “desconfiados”, os que duvidam do relógio. Duvidam da hora, dos minutos e dos segundos que ele aponta, devido a sua idade avançada. Duas certezas: abaixo, à sua esquerda, tem uma águia e, à direita, um pelicano. A outra, é que às 12h ele aponta para o céu, mas antes para o Sino Baía, que faz parte da história da matriz desde 1847. Além disso, Mário Renato de Miranda, um senhor de boa idade, cuida do relógio há quatro décadas. Responsável pelo novo sistema do relógio, que desde 1992 não precisa mais ser movido à manivela, Renato já conhece a batida compassada do pêndulo e garante, com a firmeza que só a experiência dá aos homens: “a hora dele é certa”.
Voltando ao relógio, símbolo do tempo, ele foi instalado no ano de 1880. O mecanismo é tão complexo quanto sua origem: desconhecida. É um conjunto de motores elétricos que eleva seus contrapesos; depois movimentam a máquina do relógio e acionam o mecanismo do carrilhão. Assim, os ponteiros do lado de fora orientam as pessoas, que nem se dão conta do complexo emaranhado de peças engraxadas que fazem as horas romanas passarem. Mais de uma década marcando o compasso da fé em Campinas.
E a senhora?
Ela entrou na missa, sem dizer o nome. Era baixa, cabelos brancos, óculos dourados de vovó, uma cruz no peito e um terço apertado entre os dedos.

Texto publicado na revista ATribuna, órgão oficial da Arquidiocese de Campinas. Nesta revista, sou colaborador, desenvolvo o projeto "Baú de histórias", que já está em sua quarta edição. Esta foi a publicação número 4, logo você poderá ler as outras edições aqui no blog.






Fotos: Fabiano Fachini