- Puta!
...
- Que menina puta! Vagabunda, safada.
Segundos depois...
- Vai ser chegar em casa e eu te quebro a pau!
Milésimos depois...
- E ela sabe que eu quebro mesmo! Só não quebro aqui por que não tenho um pau na mão. Sua putinha, eu podia estar em casa, mas tenho que passar na escola e ver que essa puta se envolveu em confusão na escola.
Minutos depois...
- Com sua idade, minha mãe mandou eu limpar merda dos outros na privada dos outros.
Milésimos depois...
- Você quer fazer isso? Quer sua vagabunda? Mais uma dessas na escola, se eu já não tiver te aleijado, eu te coloco pra limpar merda dos outros.
Segundos depois...
- Se bem que aleijada é melhor! Pego e arrasto pra qualquer lado. Não me daria trabalho. Ia ficá num canto, sem incomodar ninguém!
Minutos depois...
- Que filha vagabunda que eu tenho. Que filha puta. Eu ainda te alejo!
...
Palavras fortes. Ouvi todas da boca de uma “mãe”, que cuspia injurias e criticas para a jovem filha que, acuada em sua pequenez, tremia ao ouvir a mãe gritar. Entre leves soluços, o queixo da menina tremia. Ela parecia não querer deixar transparecer o medo e a vergonha. Talvez a mãe não aturasse uma filha fraca.
Não montei as frases, nem as inventei. Elas estão frescas em minha mente, como se meu inconsciente cobrasse, agora, de mim, uma atitude que não tive, talvez por incapacidade, no momento da cena.
No ponto de ônibus, a mãe estava descontrolada. Parecia um “animal selvagem”. Os olhos estavam vermelhos. As mangas estavam arregaçadas. As mãos cerradas e os punhos apostos tremiam. De momentos em momentos, aquela que recebeu o título de mãe curvava as costas e olhava nos meigos e assustados olhos da filha. Chingava. Não gritava, mas berrava.
Enquanto eu esperava o ônibus 3.32, no ponto da rua "x", sentido Barão Geraldo, via nas pessoas o mesmo sentido de estranheza. Mas estávamos perplexos. Não conseguíamos agir. As pessoas que passavam ficavam assustadas, enquanto olhavam para traz e viam e ouviam a mãe esbravejar.
A dita mãe, não via nada além da filha. Como a presa de um leão, a menina de aproximadamente seis ou sete anos estava assustada, tremendo diante da mãe.
O ônibus chegou. Com dúvidas, entro e escolho um lugar próximo à janela. Tento observar se a menina está bem. Envergonhado da falta de atitude. Porém, não dá tempo. O sinal abre e o ônibus segue em frente.
Viajando em pensamentos, sou despertado pela conversa entre as duas senhoras sentadas à minha frente. Elas falam sobre um caso de violência contra criança. Era a morte do menino João, da região de Campinas.
As coincidências acontecem?
Talvez, mas sempre para despertar as pessoas para a realidade.
A mídia tem dado destaque para a violência contra as crianças. Primeiro, o caso Isabella. A história que despertou a fúria das pessoas à busca da justiça e a indecência das outras ao procurarem os holofotes das câmaras de televisão para conquistar o “minuto da fama”.
Até o momento, as respostas estão inalcançáveis. A “novela Isabella” não chegou ao capítulo final e já surgiu espaço para o seriado do menino de 5 anos morto no interior de São Paulo, Ribeirão Preto, que pode ter sido vítima da mãe e do padrasto.
Outras crianças, ainda bebês, são abandonadas. A menina nasceu prematura e após dois meses no CTI recebeu alta. Uma hora após ser retirada pela mãe, a menina estava dentro de um saco plástico a boiar na Lagoa da Pampulha. Casos conhecidos e que tiveram espaço até mesmo na mídia internacional. No entanto, há numerosos casos de violência infantil escondidos, mascarados pelas leis ou pelos autores.
De onde vem tanta violência?
Que crianças são estas que merecem a morte, o abandono ou as calunias da mãe que ganhou espaço na abertura deste texto?
Só há uma resposta para tanta crueldade: os culpados devem ser as crianças. Elas são insensíveis. Talvez não compreendam os pais, por isso mereçam agressões, castigos e abandono. Ora, bebês não são meigos. O sorriso de uma criança é incapaz de fazer um “bruto” sorrir. Crianças não se sensibilizam com quem sofre. Crianças não abraçam os avós. Os adultos, estes sim são conscientes! São capazes, realmente, capazes de incontáveis proezas.
Só mesmo a ironia para, talvez, esquecer a maldade que sofrem as crianças, pequenas presas de famintos selvagens.
---todo diálogo aconteceu nas ruas de Campinas. O relato é real.fABIANO fACHINI